Questionada
por uma amiga se estava correto usar a palavra “lúdica” para caracterizar o
documentário “2075 - Les temps changent”, me levou a escrever esse texto, que
pode servir como alerta para os cenaristas principiantes.
Como
o futuro não existe, estamos somente aptos a contarmos histórias a respeito
dele. Essas histórias têm como objetivo proporcionar análises das
possibilidades de futuro que se configuram a partir do presente, estudá-las e,
assim, estarmos mais preparados para tomarmos decisão frente a um futuro, que é
múltiplo e incerto por definição.
Como
nenhum cenarista possui bola de cristal, seu objetivo é deixar claro que não se
trata de previsão, mas de possibilidades hipotéticas a respeito do futuro. Para
tanto, criamos personagens, cenas envolventes e marcantes que chamem a atenção
das principais questões estratégicas e seus possíveis comportamentos futuros. É
importante deixar claro para o leitor que não é uma previsão do futuro, não
estamos afirmando o que vai acontecer, mas uma forma de representar os
possíveis acontecimentos futuros.
Essas
histórias a respeito do futuro devem ser capazes de gerar aprendizado
organizacional. Cada cenário deve ser vivenciado pelos estrategistas da
organização para que possam experimentar os resultados de suas estratégias
antes de colocá-las em prática. Assim, espera-se a construção de objetivos
estratégicos que contribuam para a construção do futuro desejado. Em muitas
organizações essa “vivência do futuro” é feita por meio de jogos.
Segundo
o dicionário a palavra lúdico é “um adjetivo masculino com origem no latim
“ludos”, que remete para jogos e divertimento”. Uma atividade lúdica é uma
atividade de entretenimento, que dá prazer e diverte as pessoas envolvidas. O
conceito de atividades lúdicas está relacionado com o ludismo, ou seja,
atividades como jogos e o ato de brincar. Os conteúdos lúdicos são muito
importantes na aprendizagem, pois é uma forma de incutirmos nas crianças
a noção de que aprender pode ser divertido. As iniciativas lúdicas nas escolas
potenciam a criatividade, e contribuem para o desenvolvimento intelectual dos
alunos. Um texto ou discurso lúdico é uma produção cultural que é capaz de
divertir o leitor ou ouvinte. É essencial para chamar a atenção e para
persuadir outras pessoas.
Nesse
contexto, os enredos dos cenários devem ser redigidos, sim, de forma lúdica. Os
tempos verbais devem estar no presente e no passado, mesmo contando histórias a
respeito do futuro, como no caso do documentário citado. É como se o escritor
estivesse posicionado no final do horizonte temporal e contando os principais
acontecimentos históricos ocorridos até a chegada naquele momento futuro. Deve
usar personagens fictícios e realmente contar histórias que entretenham e gerem
aprendizado para os leitores.
Um
bom exemplo são os cenários construídos pelo National Intelligence Consul, que
utiliza na introdução de cada um dos quatro cenários construídos, inclusive, os
termos “cenário hipotético” e “cenário fictício”. Destaco que, no documento
“Mapping the global future: report of the National Intelligence Council’s 2020
Project (Dec. 2004)”, link abaixo, um dos cenários é redigido
em formato de troca de mensagens por celular entre dois traficantes de armas
(ver p. 105 do documento citado).
Assim,
não existe nada de errado em tratar o processo de elaboração de cenários de forma
lúdica para que, dessa forma, seja incentivada a criatividade e seus resultados
sirvam de inspiração para os tomadores de decisão construírem um futuro melhor,
livres das amarras do presente.
Documento citado:
Mapping the global
future: report of the National Intelligence Council’s 2020 Project