Para responder a essa pergunta
temos que ter um entendimento do que é “olhar tão longe”. Se for imaginar um ou
vários cenários possíveis a resposta é sim. Mas se for para tentar fazer uma
previsão, a resposta é não. Isso porque se não temos condições de afirmar, com
certeza, como será amanhã, quanto mais daqui a 83 anos.
No entanto, seria difícil
utilizar os métodos tradicionais de construção de cenários para construir
imagens em um horizonte tão distante, visto que, até mesmo as tendências de
peso existentes atualmente, provavelmente não se manteriam como tendências em um
horizonte tão distante. O processo teria que ser mais criativo, usando a
imaginação para construir essa visão de futuro. Um processo que seja capaz de
romper com as amarras do presente e exercer uma imaginação semelhante às das
crianças quando criam mundos e personagens quando brincam.
Por exemplo, em 2010, quando
minha neta tinha 5 anos perguntei como seria o futuro e ela respondeu: “vamos
voando para todo lugar sem avião, vou criar meus brinquedos em casa, vou
entender tudo que todos falam, mesmo os desenhos que falam diferente e todos
nós vamos passar mais tempo juntos”.
Vocês conseguem imaginar esse
futuro? Máquinas voadoras para curtas distâncias; impressoras 3 D, imprimindo
os brinquedos e tudo mais; tradução simultânea; e redução da jornada de
trabalho. Será que o futuro será muito distante do que ela imaginou?
Mas para que serviria olhar
tão longe?
Muito simples, para
imaginarmos, por exemplo, saídas para a crise atual. Quando conseguimos sair de
dentro do problema e analisamos ele do lado de fora, as soluções emergem. Em
2100, poderemos estar até passando por uma crise, mas certamente não será a
mesma vivida hoje. Os desafios serão muito diferentes. Além disso, olhando para
horizontes distantes conseguiremos também enxergar o que será realmente
importante e teremos condições de abandonar projetos do passado para
investirmos no que será importante no futuro e, assim, resolvermos efetivamente
os problemas atuais saindo do looping de que nos leva a correr o tempo todo atrás
do prejuízo.
Entretanto, para olharmos
horizontes tão distantes temos que tomar algumas precauções, como por exemplo:
Checar
se estamos sendo realmente criativos. O uso de nossa imaginação é
chave, mas, as vezes podemos desenvolver pontos cegos e cairmos na armadilha da
projeção de situações no presente ou da realização de simulações dessas
situações, repetindo, assim, o mesmo modelo existente hoje que poderá não existir
ou se viável no futuro. Pense: se projetássemos o mundo de 1924 para 2017, os
cidadãos daquela época seriam capazes projetar o mundo que vivemos hoje? Em
1924 nem se imaginava, por exemplo, a existência da internet, não fazia parte
nem dos projeto do Departamento de Defesa americana, berço da internet.
Desprender-se do momento atual.
Procurem não ficar presos aos problemas que enfrentamos hoje, mas imaginar como
as nossas necessidades serão atendidas no futuro, independentemente do existente
hoje.
Imaginar
histórias de futuro que auxiliem no processo decisório. Lembrem-se
o tempo todo que nosso objetivo não é acertar o que irá acontecer, mas imaginar
possibilidades de futuro que nos ajudem a fazer apostas. Apostas essas com foco
no futuro que nos ajudem a resolver ou eliminar problemas existentes hoje.
Checar se a imagem a respeito do futuro é
passível de ocorrência. Mesmo sendo um processo criativo, onde a
imaginação deve fluir e possibilitar vislumbrar rupturas, essas rupturas devem
ser passiveis de ocorrência no horizonte temporal. Apesar da grande expansão
das TIC e da banda larga, será possível afirmar que toda a população mundial
terá acesso à internet em 83 anos. Estudos estimam que provavelmente até 2050
toda população residente na área agrícola dos países desenvolvidos terá acesso
a internet. Hoje eles não têm. Estimam também que, provavelmente metade da
população mundial também terá acesso a internet até 2050. Segundo estudos, a
falta de acesso à energia elétrica, a computadores ou smartfone e o analfabetismo, inclusive digital, são fatores que
impedem tal avanço. Logo, para que toda a população mundial tenha acesso as
TICs, teremos que resolver esses outros problemas também. Há tempo e recursos
suficientes para tal? Lembrem-se, as histórias devem ser consistentes e
coerentes, caso contrário perdem credibilidade e não vão auxiliar no processo
decisório e, principalmente de investimento. T
Ter
bom senso. Não podemos esquecer do bom senso. Lembrem-se que a
tecnologia pode avançar, mas mudanças no comportamento humano são questões mais
difíceis e muitas vezes levam tempo para que a mudança ocorra. Por exemplo: será
que em 83 anos ou mesmo em 100 anos o crime irá desaparecer? A corrupção não
mais existiria?
Mostrar a evolução dos acontecimentos. Mesmo
sendo algo que não existe hoje, é importante descrever como se passou da
situação atual para a futura. Há necessidade de mostrarmos que isso é possível,
mesmo que para isso tenhamos que desenvolver novo conhecimento. Os filmes de
ficção científica fazem isso muito bem.
Tomar cuidado com as tecnologias
existentes hoje que têm grande força e amplitude de uso, principalmente as que
apresentam sinais de substituição. Por exemplo, as tecnologias
que suportam as telecomunicações estão migrando para as das redes de
comunicação, sendo assim, em 83 anos ainda teremos sistemas de telecomunicação como
conhecemos hoje funcionando? O uso do petróleo como combustível está sendo
questionado e em vários países sofrendo processo de substituição. Será que em
2100 ele continuará como principal combustível a ser utilizado pelos meios de transportes?
Estar atento quanto aos atores. Tomem
muito cuidado com os atores, suas responsabilidades ou “dever ser”, pois podem
se alterar em horizontes distantes e suas funções podem, inclusive,
desaparecer, o que acarretaria a inexistência desse ator no futuro. Entretanto,
outros que não existem hoje em dia ou possuem pouco poder de atuação poderão se
tornar protagonistas no futuro. Lembrem-se que muitas profissões existentes
hoje deixarão de existir e outras que nem imaginamos estarão em ampla expansão.
Por exemplo, em 1924 ninguém saberia dizer o que seria ou o que faria um
operador de telemarketing e no futuro, provavelmente, esse profissional não
mais existirá e ninguém conseguira descrever suas atividades. Ou mesmo
questionar: tinha gente que exercia essas funções?
Não fazer uso de observações vagas. Vocês
estão contando uma estória, logo o leitor deve ser capaz de imaginar o futuro e
de criar essa imagem. Se a redação for vaga não será possível imaginar.
Utilizar os verbos nos tempos verbais do
passado e do presente. Tomem cuidado com o uso dos verbos, vocês
já estão no futuro, logo os verbos devem ser escritos no passado e no presente.
Nunca no futuro ou no condicional. Evitem também o uso de expressões como:
provavelmente, há chances etc. Lembrem-se que como as histórias a respeito do
futuro são contatadas a partir do futuro, os eventos já ocorreram, logo não há
dúvidas quanto sua ocorrência. São histórias e não previsões o que estamos
redigindo.
Descrever relações de causa e efeito que
façam sentido e checar essas possibilidades. Tomem
cuidado com as relações de causa e consequência. Lembrem-se que o ambiente é
complexo e quanto mais avançamos, mais complexo ele se torna, pois temos mais
conhecimento sobre ele. Ao alterarmos o curso dos acontecimentos, teremos que
analisar os impactos nas demais variáveis visto que o mundo, ou qualquer tema
que formos criar imagens a respeito do futuro se comporta como um sistema
complexo.
Espero que essas dicas sejam
úteis.
Elaine C. Marcial