sábado, 7 de setembro de 2019

As características do futuro e a estratégia


A maior parte das organizações desenvolvem seus processos de formulação de estratégia sem se preocupar com o futuro. Algumas até se preocupam com futuro, levantam tendências e previsões, mas não se dão conta das características do futuro e formulam estratégias equivocada e tomam decisões erronias.

Mas quais são as características do futuro com as quais as organizações devem se preocupar? Destacamos seis que interferem no processo de construção de informação a respeito dele.

O futuro ser múltiplo e incerto, como argumentado por Michel Godet, é a primeira delas. Isso significa que a partir do hoje ele se abre em múltiplas possibilidades e que nenhuma delas está determinada, irá depender das decisões e ações de atores diversos. Como não conseguimos saber, de antemão, o que irá acontecer, a incerteza está presente. Ela faz parte do futuro e ainda é maior em ambientes turbulentos e disruptivos como os de hoje.

O futuro sempre nos surpreende com eventos inusitados. Eventos esses difíceis de serem antecipados e que surpreendem a todos, a exemplo dos cisnes negros definidos por Nassim Taleb. Essa segunda característica do futuro de ser inusitado o torna ainda mais incerto. Logo as organizações devem possuir sistemas de monitoramento permanentes para conseguir captar os sinais de possíveis mudanças.

Como o futuro não existe, está ainda por ocorrer, toda e qualquer visão construída a respeito dele é um constructo da nossa imaginação – terceira característica do futuro. O máximo que conseguimos é imaginar as diversas possibilidades de futuro. Isso não significa que as organizações não devam estudar e produzir informações sobre o futuro, mas devem ter consciência de que são apenas possibilidade frutos de visões informadas construídas.

Apesar de inusitado e incerto, o futuro é sempre influenciado por grandes forças que estão em operação no ambiente e que contribuem com sua construção – quarta característica do futuro. Referem-se, em geral, à megatendências como o envelhecimento da população ou a avanço das tecnologias da informação e comunicação modificando o ambiente de trabalho e de produção, bem como as relações sociais.

Entretanto, a atuação de atores pode gerar eventos inusitados que causem rompimento dessas grandes forças em operação no ambiente. Ou seja, o futuro também tem seu curso alterado pelas decisões tomadas pelos atores, que molda o futuro ao buscarem implementar suas estratégias e desejos – quinta característica do futuro. Um ator modifica o ambiente ao realizar investimentos e ações para atingimento de seus objetivos estratégicos ou para evitar a ocorrência de algum evento inoportuno. Por sua vez, os demais atores existentes no ambiente reagem a esse movimento, ou no sentido de amplificá-lo ou para impedir sua ocorrência. O futuro se constrói por meio do resultado desse confronto de estratégias dos diversos atores e, assim, vão moldado o curso dos acontecimentos, mudando o por vir a todo momento.

Por fim, a sexta e última característica do futuro representa a impossibilidade de ser previsto. Essa característica é o resultado de todas as outras. Sendo o futuro é múltiplo e incerto a previsão não faz sentido, visto que representa uma visão única de futuro. Para Taleb o inusitado sempre surpreende a todos e é impossível de ser previsto. Sendo um constructo da nossa imaginação e cada ator pode construir o seu, não existe um único futuro a ser previsto, há futuros distintos construídos por cada ator. Por fim, apesar da existência de forças ambientais, elas podem ser rompidas ou por eventos inusitados ou pelo confronto da estratégia dos atores, cujo resultado, em sua maioria, é impossível de ser previsto.

Todas essas características do futuro, sintetizadas na Figura 1, devem ser observadas quando se produz informação sobre ele para subsidiar os processos decisório e de planejamento estratégico. Até porque planejar é realizar apostas nesse futuro incerto. É nesse contexto que a construção de cenários ganha espaço, por ser a metodologia que consegue capturar todas as características do futuro.

Figura 1 – Característica do futuro

 
Então, sua organização realiza a formulação de estratégia com base em cenários? Ela está preparada para esse futuro cada vez mais incerto e disruptivo?

Elaine C. Marcial
Doutora em Ciência da Informação e coordenadora do Grupo de pesquisa em estudos de futuro da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília – NEP-Mackenzie.

domingo, 1 de setembro de 2019

Planejar é preciso!


Há décadas que o Brasil carece de uma estratégia de longo prazo, mas nessa última sexta-feira (30 de agosto de 2019), uma luz no fim do túnel surgiu. A Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR) lançou o Sistema de Planejamento Estratégico Brasileiro (SIPEB), no auditório do Anexo I da Presidência da República.


O evento adotou como lema: Planejar é preciso! Além de necessário, sem planejamento, em especial de longo prazo, o país fica à deriva, sofrendo diversas soluções de continuidade e apresentando crescimento caracterizado como “voo de galinha”.

No mundo disruptivo que vivemos, ter uma estratégica é fundamental. Quais serão nossas apostas estratégicas? Em quais conhecimentos e tecnologias devemos priorizar nossos investimentos? Focadas para que setor prioritário da economia? Quais as nossas prioridades estratégicas? Quais os nossos desafios? Que fatores críticos de sucesso devem ser tratados para que obtenhamos sucesso em nossos investimentos? Quem são os atores-chave e que parcerias estratégicas deverão ser firmadas para a construção do futuro desejado?

O projeto apresentado, baseado na criação de um Centro de Governo responsável por formular a Estratégica, coordenar o processo, monitorá-la e avaliar as políticas públicas, bem como realizar a articulação política, a comunicação e o accountability necessários, certamente não será trabalho de um único órgão. Será necessário a articulação de ação conjunta para que realmente o nosso país tenha uma estratégia de longo prazo, uma das funções primordiais da Presidência da República.

A comunicação, destacada como uma das ações estratégicas desse sistema, é essencial visto que toda a sociedade, em especial os agentes econômicos, devem conhecer a estratégia Nacional para que possam ajustar seus investimentos e assim contribuir para a sua consecução. Para tanto, será também necessário a construção e internalização de um pensamento estratégico Nacional compartilhado por toda a sociedade brasileira com temos hoje em dia: “Brasil celeiro do mundo”. A força de um pensamento estratégico Nacional é enorme, ele age de forma subliminar influenciando até mesmo nossas decisões pessoais de compra. Não é por acaso que somos os líderes em vendas de caminhonetes. Ter uma caminhonete estacionada dentro de um shopping é sinônimo de status. Também explica o sucesso da música sertaneja em todo o nosso país. Este é o verdadeiro pensamento estratégico, pois move uma sociedade e a economia de um país.

Outros pontos importantes desse sistema referem-se à integração das políticas públicas e planos estratégicos, buscando-se uma atuação proativa e prospectiva. Essa criação de sinergia entre as políticas públicas nos trará agilidade e redução dos custos de implantação e do tempo de obtermos os resultados. A atuação proativa, por meio da antecipação de eventos futuros, será conduzida por uma sala de situação chamada Sala Brasil. A atuação da Sala Brasil evitará crises, desgastes políticos com questões muitas vezes de cunho tático ou mesmo operacional, além de perda de tempo e de recursos desnecessários. Já a visão prospectiva nos ajudará a construir o país dos sonhos, bem como a solucionar problemas que carregamos há décadas. Essa visão será apoiada um Observatório.

A Sala Brasil contará com monitoramento diário das principais questões estratégicas prioritárias, terá espaço para as reuniões do Centro de Governo e do Conselho de Governo, ambos responsáveis pelas decisões estratégicas. Disponibilizará salas temáticas e de trabalho para debates e construção de soluções, tudo isso sustentado pelo centro de monitoramento, apoiado por videowall. Já o Observatório fornecerá as informações mais focadas à produção prospectiva.

O SIPEB será responsável por coordenar a formulação da Estratégia de longo prazo que se desdobrará nos planos táticos (médio prazo), operacionais (curto prazo) e nos projetos, iniciativas e processos prioritários, integrando todas essas atividades ao orçamento para que haja a alocação adequada de recurso.

Finalmente, parece que o nosso país acordou para a importância de formularmos uma estratégia de longo prazo e está investindo no que, acredito, ser o primeiro passo para nos transformar em uma nação desenvolvida, conforme resultado apresentado no livro Brasil 2030: cenários para o desenvolvimento (disponível para download no portal do Ipea).

Mas esse, sem sombra de dúvidas, não é um trabalho a ser executado somente pela SAE/PR. Haverá a necessidade do envolvimento de todos os órgãos de Estado, no nível federal, estadual e municipal, principalmente pelo fato de que as políticas públicas acontecem no território e não em Brasília. Entretanto, é também necessário que toda a sociedade brasileira se envolva nesse projeto, visto que sem um pensamento estratégico Nacional esse esforço será em vão.

O Núcleo de Estudos Prospectivos da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília (NEP-Mackenzie) esteve presente no evento, representado pelos pesquisadores Dra. Elaine Marcial, Dr. Thomas Fronzaglia; Ms. Marcos Pena e Ms. Marcos Françozo. O NEP-Mackenzie já elabora proposta de pesquisa que irá contribuir com esse projeto. Então eu pergunto: que país desejamos deixar para os nossos filhos e netos? E o que devemos fazer como sociedade para construir com a construção desse país tão sonhado? Qual a nossa contribuição?

Dra. Elaine Coutinho Marcial é coordenadora do NEP-Mackenzie – Núcleo de Estudos Prospectivos da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Brasília.

Obs.: Foto Dra. Elaine Marcial entregando o Certificado de Participação ao General Lauro Luís Pires da Silva, Secretário Especial Adjunto da SAE/PR.