quinta-feira, 20 de maio de 2021

Cenários Globais 2035 da OCDE

 


Hoje, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico ou Econômico (OCDE) lançou os últimos cenário mundiais desenvolvidos por eles: Global Scenarios 2035: Exploring implications for the future of global collaborations and the OECD. Emoram apresentados e debatidos três cenários, ou seja. Essas três possiblidades de futuro foram construídas com base em seis forças de mudanças globais: a interconectividade digital além das fronteiras; a eficácia e as alianças de estados; a influência de atores não estatais; mudanças em valor e valores; gestão de recursos para a economia digital e verde; riscos comuns para a humanidade.

Reflexão e debates profundos desses cenários merecem ser realizados no nosso país, visto que os desafios apresentados por eles são muito maiores do que as oportunidades. Desafios esses para os países, para o mundo e para a humanidade.

Apesar dos cenários não serem previsões, as possibilidades de futuro apresentadas nos alertam que podemos estar caminhando para momentos difíceis da humanidade e, para evitarmos que esses cenários aconteçam, teremos que olhar fora da caixa e abrir mão de algumas crenças associadas a amarras do passado para podermos construir um futuro diferente. Temos que nos conscientizar que juntos seremos melhor e iremos mais longe. Está em nossas mãos construir um futuro melhor.

A síntese desses três cenários são apresentados a seguir.



Mundo multitrack
– o mundo seria dividido em cinco clusters separados. A dissociação digital levou a uma proliferação de ecossistemas concorrentes que se solidificaram como aglomerados de países. As características desses possível mundo futuro: infraestruturas digitais separadas; diferentes valores e definições de bem-estar; o comércio e a mobilidade são altos dentro dos clusters, mas não entre eles; atores não estatais (por exemplo, empresas) limitados a clusters.

“Em 2035, o mundo está funcionando em vário clusters separados. Diferentes sistemas e padrões em diferentes partes do mundo se solidificaram, criando vários grupos paralelos de estados. As atitudes em relação aos principais determinantes do bem-estar, como desigualdade, liberdade de expressão e vigilância são altamente divergentes entre os grupos. Os clusters têm infraestruturas digitais separadas e atores corporativos amplamente equivalentes, que se adaptaram a padrões regulatórios e culturais exclusivos. Poucas empresas ou organizações da sociedade civil são capazes de operar com sucesso em vários clusters. O afastamento em larga escala da globalização e da desconfiança entre os clusters levou à diminuição do interesse e do incentivo à cooperação internacional. Este é um mundo de diversidade, em vez de universalidade, onde as ideias sobre o que constituem as melhores políticas, melhores práticas e como medir ambas variam significativamente com base nos sistemas de valores individuais de cada cluster.” (OECD, 2021).


Mundo Virtual
– A maior parte da atividade social e econômica está no metaverso[1]. O teletrabalho, a realidade virtual imersiva (VR) e a interoperabilidade trouxeram cada vez mais vida ao espaço virtual. As características desse possível mundo são: tremendo poder corporativo; negociações complexas sobre direitos e liberdades digitais; a infraestrutura digital impõem a desigualdade entre os estados; qualidade de vida em grande parte determinada pelo que acontece em VR.

“Bem-vindo ao metaverso de 2035, uma plataforma virtual interconectada onde a maioria de todas as interações humanas, para negócios ou lazer, agora acontecem. As empresas de tecnologia fornecem o hardware e o software, competindo para fornecer aos clientes novos recursos e experiências. Os estados controlam quais hardwares e liberdades criativas são disponibilizados para seus cidadãos no universo virtual por meio de medidas regulatórias, equilibrando os requisitos de segurança do estado com o desejo de estar na vanguarda da tecnologia. Nesse cenário, a diplomacia é mais importante e complexa do que nunca: as relações entre estados, empresas de plataforma e usuários (como clientes e criadores) precisam ser gerenciadas com delicadeza.” (OECD, 2021).


Mundo Vulnerável
– Novos riscos existenciais requerem cooperação sem precedentes. Transição ambiental impulsionada pela tecnologia e alto crescimento econômico, apesar do multilateralismo vacilante. As características desse possível mundo futuro são: inovação nas emissões com acelerado poder da tecnologia; a humanidade está enfrentando múltiplos riscos existenciais; alta produtividade, mas extrema desigualdade; colaboração mais sofisticada é necessária.

“O ano é 2035 e a humanidade está à beira do precipício. A inovação tecnológica avançou mais rápido do que o esperado, trazendo uma infinidade de benefícios e, ao mesmo tempo, gerando riscos existenciais que exigem colaboração global urgente. Avanços importantes permitiram reduções dramáticas nas emissões de gases de efeito estufa (GEE), mas não impediram níveis perigosos de degradação ambiental em outras áreas. A inteligência artificial, a biologia sintética e o desenvolvimento do espaço avançaram rapidamente, criando enormes benefícios de produtividade, mas também vulnerabilidades que podem ser catastróficas para a civilização. A produção automatizada criou bens e serviços suficientes para atender às necessidades materiais básicas, mas levou a desigualdades extremas e concentrações de poder que estão corroendo as bases da democracia. Nesse contexto, as instituições multilaterais enfrentam questões fundamentais sobre seu papel na salvaguarda da humanidade contra o poder sem precedentes que possui de destruir seu próprio potencial.” (OECD, 2021).

Mais informações sobre o estudo de futuro realizado pela OCDE estão disponíveis em: https://search.oecd.org/economy/global-scenarios-2035-df7ebc33-en.htm.

Referência

OECD (2021). Global Scenarios 2035: Exploring implication for the future of global collaboration and the OECD. Paris: OECD: http://doi.org/10.1787/df7ebc33-en.



[1] Metaverso: terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual que tenta replicar a realidade através de dispositivos digitais, não necessariamente de imersão, ou seja, que desloquem os sentidos de uma pessoa para esta realidade virtual. 

quarta-feira, 5 de maio de 2021

Como será o amanhã?


Em geral, pouca importância é dada aos movimentos sociodemográficos apesar dos alertas de Peter Drucker, há mais de duas décadas. Drucker dizia que para enxergarmos longe deveríamos iniciar analisando e compreendendo os lentos movimentos sociodemográficos, depois agregar a nossa análise os movimentos políticos e, por fim, os avanços tecnológicos. Para ele, todo o resto era resultado dessas três forças, sendo a sociodemográfica a preponderante.

Movimentos sociodemográficos são lentos, mas possuem grande força de mudança e portam informação valiosa de como o futuro será. São de difícil reversão, pois se consolidam lentamente por não encontrarem resistência, o que os torna cada dia mais sólidos. A falta de resistência ocorre porque esses movimentos silenciosos passam desapercebidos. O mundo estabelecido nos deixa cegos, nos impedindo de enxergar as lentas mudanças.

O desenvolvimento de pontos cegos, até em pesquisadores da área, impedem que esses sinais portadores de futuro sejam analisados corretamente. Quando os percebemos já estão consolidados e é tarde demais para contê-los. Sua ruptura demandaria um grande esforço e, caso ocorresse, somente sentiríamos seus efeitos décadas depois. 

Ao nos deparamos com eventos inusitados, nos surpreendemos, pois não conseguimos perceber o que realmente ocorre ao nosso redor. O que presenciamos no dia 1º de maio de 2021, foi um desses tipos de eventos que portam o futuro: manifestações verde e amarela por todo o Brasil, mais uma vez orquestradas pelas redes sociais.

Quem poderia, um dia, imaginar que iríamos presenciar o “Dia do Trabalho” repleto de cidadãos nas ruas em uma manifestação reivindicatória, empunhando nossa bandeira e cantando o Hino Nacional? Levando em conta que ainda estamos em pandemia e que se tratavam, em sua maior parte, de famílias, o volume de pessoas foi muito grande nas ruas. Esta contestação não denota o apoio a aglomerações em tempos de pandemia. Há de se considerar seu impacto no sistema de saúde e na sociedade brasileira. A reflexão foca especificamente na ocorrência dessas movimentações em dia tão simbólico. Até porque há um outro lado, aqueles muitos que não aderiram ao movimento presencial, mas o apoiaram por meio das redes sociais, divulgando vídeos, imagens e postagens do que ocorria em todo o Brasil.

Outras manifestações populares semelhantes já foram presenciadas em diferentes momentos passados e com muito maior intensidade, mas o simbolismo embutido nesta última foi enorme: era o Dia do Trabalho. Essa comemoração surgiu após os eventos de paralização ocorridos em Chicago, em 1886, realizados por trabalhadores norte-americanos reivindicando melhores condições de trabalho. O movimento foi repetido no ano seguinte, em mesma data, seguido por trabalhadores europeus, transformando esse dia em uma homenagem àqueles que lutaram por melhores condições de trabalho.

Esse movimento, que se tornou mundial, sempre foi liderado por partidos de esquerda e sindicatos, que levantavam bandeiras associadas a reivindicações ou a conquistas trabalhistas ao redor do mundo. Isso sempre fez muito sentido, pois representavam aqueles que possuíam uma história de luta justa em prol dos trabalhadores.

Entretanto, pela primeira vez em toda a história do nosso país, os movimentos do último “1º de maio” foram liderados pela sociedade, representada pela presença das famílias brasileiras, vestida de verde e amarelo, tomando o espaço das velhas lideranças de esquerda. Movimento no qual a bandeira nacional tomou o espaço das comumente bandeiras vermelhas que marcavam essas comemorações.

Esse não foi um movimento isolado, há quase duas décadas que a mudança vem ocorrendo, seguida por manifestações com esse perfil. Movimentos lentos, mas permanentes, que ganham força e nem a pandemia os conteve. Caracterizam-se por manifestações espontâneas, pacíficas e genuinamente cíveis. Esses eventos têm sido negligenciados pela impressa e carecem de uma análise sociológica profunda da mudança em andamento.

Iniciado com o escândalo do “Mensalão”, denunciado pelo então Deputado Federal Roberto Jefferson em 2005, culminou com as grandes manifestações de 2013 contra a abusiva corrupção, outro evento inusitado brasileiro – não pelo fato do volume de pessoas nas ruas vestidas com as cores nacionais, mas pela falta da presença das velhas lideranças partidárias a frente desses movimentos de massa brasileiros. O desenrolar da operação “Lava-jato” reforçou esse movimento de mudança, gerando mais eventos inusitados, como a prisão de grandes nomes brasileiros associados ao crime do “colarinho branco”. A eleição para Presidente da República de Jair Bolsonaro e as reiteradas manifestações ocorridas durante o seu mandato fazem parte desse processo de mudança e culminaram com o evento mais simbólico de todos: o ocorrido no Dia do Trabalho.

Eventos inusitados, de pequena ou grande magnitudes, nos surpreendem a todo instante, nos lembrando da imprevisibilidade associada ao futuro. Na maioria das vezes, isso ocorre, pois não dedicamos tempo suficiente para a identificação, análise e avaliação de consequências futuras desses sinais. O nosso dia a dia corrido nos impede de refletirmos adequadamente sobre fatos que portam o futuro e podem representar grandes sinais de mudança.

Sendo assim, eu os convido à reflexão: O que esse evento inusitado significa e sinaliza, considerando um mundo em transformação, repleto por inovações disruptivas? Que mudanças estão em andamento e quais serão suas consequências? Lideranças políticas irão surgir pautadas em uma nova agenda de proteção ao trabalhador da nova era? O movimento tipicamente nacionalista levará o país para um novo patamar de prosperidade, ao nos sensibilizar que somos todos brasileiros e unidos seremos mais fortes, ou nos levará a uma ruptura como nação, ao aumentar a polarização, nos deixando estagnados frente aos avanços tecnológicos mundiais em movimento? Qual será o destino do Estado Brasileiro, representado pelos Três Poderes e seus entes federados? Sairá fortalecido pela necessária mudança ou se desmantelará?

Certamente são inúmeras as perguntas sem respostas. Isso porque o futuro não acontece, ele é construído pelas decisões tomadas pelos atores, pelo resultado de suas parcerias estratégicas e investimentos, muitos movidos por sonhos e desejos às vezes não explicitados. O futuro não é construído somente pelos grandes atores, mas por todos nós, que em nossos microcosmos construímos o nosso futuro e o do nosso país. Somos todos agentes de mudança e responsáveis pelo porvir.