sexta-feira, 12 de julho de 2024

Da antecipação a ação com apropriação: Lições vindas do Rio Grande do Sul

 Por Elaine C. Marcial

O famoso triângulo grego (Figura 1), defendido por Michel Godet (2007) como a base da atitude prospectiva, é só o que me vem a mente quando penso no nosso Rio Grande do Sul, assolado por uma das maiores catástrofes que presenciamos no nosso país nos últimos tempos.

Figura 1 – O triângulo Grego e a prospectiva


Fonte: adaptado de Godet (1989, 2007).

Aliás, não é só Godet que me faz refletir, mas também as palavras de Pierre Wake, ao nos lembrar que precisamos re-perceber o ambiente (Burt, 2010). Sem re-perceber o ambiente não conseguimos nos reinventar e tudo que vivenciamos nestes últimos meses me leva a crer que a catástrofe também é uma oportunidade para a reflexão. O que queremos para o futuro? E, em especial, que Estado e que sociedade queremos para o futuro?

Veicularam na mídia que o povo realizava diversas críticas em relação a atuação do Estado, críticas acompanhadas de ação da sociedade. O povo não ficou parado esperando e criticando o Estado, “arregaçou as mangas” e agiu. O depoimento de Ricardo Gomes, em um de seus programas no Brasil Paralelo[1], mostra o que realmente ocorreu: a integração entre o Estado e a sociedade gaúcha para o bem de todos, a qual foi virtuosa. Destacou também que a onda de solidariedade que mobilizou todo o país, contou com o apoio integrado da sociedade com o Estado brasileiro, nos níveis federal, estadual e municipal, reafirmam o poder da união entre a sociedade e o Estado.

Nesse contexto, reafirmando o convite a reflexão: que Estado e que sociedade queremos deixar para os nossos filhos e netos? E para ajudar nessa reflexão eu vou retomar ao que o foresight e a prospectiva nos ensinam.

Veja que o triangulo grego, defendido por Michel Godet, mostra a necessidade de integração entre antecipação, ação e apropriação. Se não olharmos para o futuro, com a visão de Pierre Wack de re-perceber o ambiente, para não repetirmos os mesmos erros que cometemos no passado, as visões construídas iluminarão e orientarão a ação. Como também, de nada adianta produzirmos informação sobre o futuro se esta não for apropriada pela formulação da estratégia e pela tomada de decisão. Ela deve ser apropriada por todos os stakeholders envolvidos no processo para que as informações produzidas sobre o futuro realmente se transformem em decisão e ação. Cabe sempre lembrar que olhamos para o futuro para melhor decidirmos hoje.

O Estado mostra sinais de falência, mas temos como abrir mão dele? Sociedades tão complexas como as existentes hoje em dia, podem renunciar ao Estado, como muitos já advogam? Eu entendo que não, entretanto, do que existe atualmente sim. Ou seja, há uma necessidade premente de se repensar o Estado e suas atribuições, mas com um olhar para o futuro. Entretanto, eu poderia afirmar o mesmo para a nossa sociedade, que também precisa ser repensada. Não somente o Estado e a sociedade precisam ser repensados, mas a relação existente entre eles. Entendo que o Rio Grande do Sul nos mostrou como a integração entre Estado e sociedade é virtuosa e produz bons resultados.

Voltando ao relato de Ricardo Gomes, ele também nos mostra que é possível obter bons resultados do que ele chamou de “uma espécie de PPP”, mas que o privado era representado pela sociedade. Por um lado, o Estado falido precisa da sociedade para se reerguer, e não é aumentando os impostos. Por outro, a sociedade precisa do Estado para ajudá-la a dar grandes saltos para o futuro, orientados por uma visão estratégica de longo prazo, construída e apropriada por todos. Visão esta que inspire a mudança.

A sociedade tem o dever e o direito de ajudar, fazendo a sua parte, bem como de fiscalizar o Estado e de denunciar, atividades essas inerentes a qualquer modelo de governança. Por isso, a importância da liberdade de expressão, afinal a sociedade é a “dona” do Estado, ela quem paga para ele trabalhar para ela – ao pagar impostos. Fazendo uma analogia com o dono de uma empresa, se a empresa não está indo bem, o dono tem que “arregaçar as mangas” e dar a sua parte, senão ela quebra. Não dizem que democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo? Então o povo tem de fazer a sua parte também, e não é só votando no seu representante, é também arregaçando as mangas e agindo, como fizeram os irmãos do Rio Grande do Sul e muito outros em todas as regiões do Brasil.

Olhado para o futuro, no meu entender, a reconstrução do Rio Grande do Sul deveria ser pautada no triângulo da prospectiva – antecipação, ação com apropriação, bem como na reflexão “de que Estado e de que Sociedade brasileira nós queremos”, para que possamos construir um futuro melhor para todos nós? A propósito, quem fez isso de uma forma fantástica foi a Finlândia na década de 1990. Vale a perna conferir – apresentamos uma síntese nesse documento que pose ser acessado pelo link em a seguir.

https://doi.org/10.13140/RG.2.2.16531.08480

Em parceria com a Assecor, estamos repensando futuros possíveis para o Brasil até 2045. Em breve, lançaremos uma série de levantamentos e debates. Venha participar! Vou dar essa oportunidade por meio desse canal. Participe e contribua com a formulação de uma visão para o nosso país que inspire corações e mentes na construção de um futuro melhor.

Referências

Godet, M. Prospective: Pourquoi? Coment. Godet, M. Futuribles, nov. 1989. Disponível em: http://www.laprospective.fr/dyn/francais/memoire/autres_textes_de_la_prospective/articles_michel_godet_futuribles/sept-idees-cles.pdf. Acesso em: 30/06/2024.

Godet, M. Manuel de Prospective Stratégique, T1 l’indiscipline intellectuelle T2’art et la método, Dumond 3êmes Édition, 2007. Disponível em: https://www.habiter-autrement.org/37-ecovillage-afrique/contributions-37/L-avenir-autrement-Michel-Godet-Anticiper-innover-motiver.pdf. Acesso em: 30/06/2024.

Burt, G. Revisiting and extending our understanding of Pierre Wack's the gentle art of re-perceiving. Technological Forecasting & Social Change, v. 77, n. 9, p. 1476-1484, Nov. 2010. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2010.06.027.



[1] Magna Carta: Civil salva civil. 

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