Por Elaine C. Marcial
O famoso triângulo grego (Figura
1), defendido por Michel Godet (2007) como a base da atitude prospectiva, é só o
que me vem a mente quando penso no nosso Rio Grande do Sul, assolado por uma
das maiores catástrofes que presenciamos no nosso país nos últimos tempos.
Figura
1 – O triângulo Grego e a prospectiva
Fonte: adaptado de Godet (1989, 2007).
Aliás, não é só Godet que
me faz refletir, mas também as palavras de Pierre Wake, ao nos lembrar que
precisamos re-perceber o ambiente (Burt, 2010). Sem re-perceber o ambiente não
conseguimos nos reinventar e tudo que vivenciamos nestes últimos meses me leva
a crer que a catástrofe também é uma oportunidade para a reflexão. O que
queremos para o futuro? E, em especial, que Estado e que sociedade queremos
para o futuro?
Veicularam na mídia que o
povo realizava diversas críticas em relação a atuação do Estado, críticas acompanhadas
de ação da sociedade. O povo não ficou parado esperando e criticando o Estado, “arregaçou
as mangas” e agiu. O depoimento de Ricardo Gomes, em um de seus programas no
Brasil Paralelo[1],
mostra o que realmente ocorreu: a integração entre o Estado e a sociedade gaúcha
para o bem de todos, a qual foi virtuosa. Destacou também que a onda de
solidariedade que mobilizou todo o país, contou com o apoio integrado da
sociedade com o Estado brasileiro, nos níveis federal, estadual e municipal,
reafirmam o poder da união entre a sociedade e o Estado.
Nesse contexto, reafirmando
o convite a reflexão: que Estado e que sociedade queremos deixar para os nossos
filhos e netos? E para ajudar nessa reflexão eu vou retomar ao que o foresight
e a prospectiva nos ensinam.
Veja que o triangulo
grego, defendido por Michel Godet, mostra a necessidade de integração entre antecipação,
ação e apropriação. Se não olharmos para o futuro, com a visão de Pierre Wack de
re-perceber o ambiente, para não repetirmos os mesmos erros que cometemos no
passado, as visões construídas iluminarão e orientarão a ação. Como também, de
nada adianta produzirmos informação sobre o futuro se esta não for apropriada
pela formulação da estratégia e pela tomada de decisão. Ela deve ser apropriada
por todos os stakeholders envolvidos no processo para que as informações
produzidas sobre o futuro realmente se transformem em decisão e ação. Cabe
sempre lembrar que olhamos para o futuro para melhor decidirmos hoje.
O Estado mostra sinais de
falência, mas temos como abrir mão dele? Sociedades tão complexas como as
existentes hoje em dia, podem renunciar ao Estado, como muitos já advogam? Eu
entendo que não, entretanto, do que existe atualmente sim. Ou seja, há uma
necessidade premente de se repensar o Estado e suas atribuições, mas com um
olhar para o futuro. Entretanto, eu poderia afirmar o mesmo para a nossa
sociedade, que também precisa ser repensada. Não somente o Estado e a sociedade
precisam ser repensados, mas a relação existente entre eles. Entendo que o Rio
Grande do Sul nos mostrou como a integração entre Estado e sociedade é virtuosa
e produz bons resultados.
Voltando ao relato de
Ricardo Gomes, ele também nos mostra que é possível obter bons resultados do
que ele chamou de “uma espécie de PPP”, mas que o privado era representado pela
sociedade. Por um lado, o Estado falido precisa da sociedade para se reerguer,
e não é aumentando os impostos. Por outro, a sociedade precisa do Estado para ajudá-la
a dar grandes saltos para o futuro, orientados por uma visão estratégica de
longo prazo, construída e apropriada por todos. Visão esta que inspire a mudança.
A sociedade tem o dever e
o direito de ajudar, fazendo a sua parte, bem como de fiscalizar o Estado e de
denunciar, atividades essas inerentes a qualquer modelo de governança. Por isso,
a importância da liberdade de expressão, afinal a sociedade é a “dona” do
Estado, ela quem paga para ele trabalhar para ela – ao pagar impostos. Fazendo
uma analogia com o dono de uma empresa, se a empresa não está indo bem, o dono
tem que “arregaçar as mangas” e dar a sua parte, senão ela quebra. Não dizem
que democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo? Então o povo tem de
fazer a sua parte também, e não é só votando no seu representante, é também
arregaçando as mangas e agindo, como fizeram os irmãos do Rio Grande do Sul e
muito outros em todas as regiões do Brasil.
Olhado para o futuro, no
meu entender, a reconstrução do Rio Grande do Sul deveria ser pautada no
triângulo da prospectiva – antecipação, ação com apropriação, bem como na
reflexão “de que Estado e de que Sociedade brasileira nós queremos”, para que
possamos construir um futuro melhor para todos nós? A propósito, quem fez isso
de uma forma fantástica foi a Finlândia na década de 1990. Vale a perna
conferir – apresentamos uma síntese nesse documento que pose ser acessado pelo link
em a seguir.
https://doi.org/10.13140/RG.2.2.16531.08480
Em parceria com a
Assecor, estamos repensando futuros possíveis para o Brasil até 2045. Em breve,
lançaremos uma série de levantamentos e debates. Venha participar! Vou dar essa
oportunidade por meio desse canal. Participe e contribua com a formulação de
uma visão para o nosso país que inspire corações e mentes na construção de um
futuro melhor.
Referências
Godet, M. Prospective:
Pourquoi? Coment. Godet, M. Futuribles, nov. 1989. Disponível em: http://www.laprospective.fr/dyn/francais/memoire/autres_textes_de_la_prospective/articles_michel_godet_futuribles/sept-idees-cles.pdf.
Acesso em: 30/06/2024.
Godet, M. Manuel de
Prospective Stratégique, T1 l’indiscipline intellectuelle T2’art et la método,
Dumond 3êmes Édition, 2007. Disponível em: https://www.habiter-autrement.org/37-ecovillage-afrique/contributions-37/L-avenir-autrement-Michel-Godet-Anticiper-innover-motiver.pdf.
Acesso em: 30/06/2024.
Burt, G. Revisiting and
extending our understanding of Pierre Wack's the gentle art of re-perceiving. Technological
Forecasting & Social Change, v. 77, n. 9, p. 1476-1484, Nov. 2010. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2010.06.027.
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