Em geral, pouca importância é dada aos movimentos sociodemográficos apesar dos alertas de Peter Drucker, há mais de duas décadas. Drucker dizia que para enxergarmos longe deveríamos iniciar analisando e compreendendo os lentos movimentos sociodemográficos, depois agregar a nossa análise os movimentos políticos e, por fim, os avanços tecnológicos. Para ele, todo o resto era resultado dessas três forças, sendo a sociodemográfica a preponderante.
Movimentos sociodemográficos são lentos, mas possuem grande
força de mudança e portam informação valiosa de como o futuro será. São de
difícil reversão, pois se consolidam lentamente por não encontrarem
resistência, o que os torna cada dia mais sólidos. A falta de resistência
ocorre porque esses movimentos silenciosos passam desapercebidos. O mundo
estabelecido nos deixa cegos, nos impedindo de enxergar as lentas mudanças.
O desenvolvimento de pontos cegos, até em pesquisadores da
área, impedem que esses sinais portadores de futuro sejam analisados
corretamente. Quando os percebemos já estão consolidados e é tarde demais para
contê-los. Sua ruptura demandaria um grande esforço e, caso ocorresse, somente
sentiríamos seus efeitos décadas depois.
Ao nos deparamos com eventos inusitados, nos surpreendemos,
pois não conseguimos perceber o que realmente ocorre ao nosso redor. O que
presenciamos no dia 1º de maio de 2021, foi um desses tipos de eventos que
portam o futuro: manifestações verde e amarela por todo o Brasil, mais uma vez orquestradas pelas redes sociais.
Quem poderia, um dia, imaginar que iríamos presenciar o
“Dia do Trabalho” repleto de cidadãos nas ruas em uma manifestação
reivindicatória, empunhando nossa bandeira e cantando o Hino Nacional? Levando
em conta que ainda estamos em pandemia e que se tratavam, em sua maior parte,
de famílias, o volume de pessoas foi muito grande nas ruas. Esta contestação
não denota o apoio a aglomerações em tempos de pandemia. Há de se considerar seu
impacto no sistema de saúde e na sociedade brasileira. A reflexão foca especificamente
na ocorrência dessas movimentações em dia tão simbólico. Até porque há um outro
lado, aqueles muitos que não aderiram ao movimento presencial, mas o apoiaram
por meio das redes sociais, divulgando vídeos, imagens e postagens do que
ocorria em todo o Brasil.
Outras manifestações populares semelhantes já foram
presenciadas em diferentes momentos passados e com muito maior intensidade, mas
o simbolismo embutido nesta última foi enorme: era o Dia do Trabalho. Essa
comemoração surgiu após os eventos de paralização ocorridos em Chicago, em 1886,
realizados por trabalhadores norte-americanos reivindicando melhores condições
de trabalho. O movimento foi repetido no ano seguinte, em mesma data, seguido
por trabalhadores europeus, transformando esse dia em uma homenagem àqueles que
lutaram por melhores condições de trabalho.
Esse movimento, que se tornou mundial, sempre foi liderado
por partidos de esquerda e sindicatos, que levantavam bandeiras associadas a
reivindicações ou a conquistas trabalhistas ao redor do mundo. Isso sempre fez
muito sentido, pois representavam aqueles que possuíam uma história de luta
justa em prol dos trabalhadores.
Entretanto, pela primeira vez em toda a história do nosso
país, os movimentos do último “1º de maio” foram liderados pela sociedade,
representada pela presença das famílias brasileiras, vestida de verde e amarelo,
tomando o espaço das velhas lideranças de esquerda. Movimento no qual a bandeira
nacional tomou o espaço das comumente bandeiras vermelhas que marcavam essas
comemorações.
Esse não foi um movimento isolado, há quase duas décadas
que a mudança vem ocorrendo, seguida por manifestações com esse perfil.
Movimentos lentos, mas permanentes, que ganham força e nem a pandemia os
conteve. Caracterizam-se por manifestações espontâneas, pacíficas e
genuinamente cíveis. Esses eventos têm sido negligenciados pela impressa e
carecem de uma análise sociológica profunda da mudança em andamento.
Iniciado com o escândalo do “Mensalão”, denunciado pelo
então Deputado Federal Roberto Jefferson em 2005, culminou com as grandes
manifestações de 2013 contra a abusiva corrupção, outro evento inusitado
brasileiro – não pelo fato do volume de pessoas nas ruas vestidas com as cores
nacionais, mas pela falta da presença das velhas lideranças partidárias a frente
desses movimentos de massa brasileiros. O desenrolar da operação “Lava-jato”
reforçou esse movimento de mudança, gerando mais eventos inusitados, como a
prisão de grandes nomes brasileiros associados ao crime do “colarinho branco”.
A eleição para Presidente da República de Jair Bolsonaro e as reiteradas
manifestações ocorridas durante o seu mandato fazem parte desse processo de
mudança e culminaram com o evento mais simbólico de todos: o ocorrido no Dia do
Trabalho.
Eventos inusitados, de pequena ou grande magnitudes, nos
surpreendem a todo instante, nos lembrando da imprevisibilidade associada ao
futuro. Na maioria das vezes, isso ocorre, pois não dedicamos tempo suficiente
para a identificação, análise e avaliação de consequências futuras desses
sinais. O nosso dia a dia corrido nos impede de refletirmos adequadamente
sobre fatos que portam o futuro e podem representar grandes sinais de mudança.
Sendo assim, eu os convido à reflexão: O que esse evento
inusitado significa e sinaliza, considerando um mundo em transformação, repleto
por inovações disruptivas? Que mudanças estão em andamento e quais serão suas
consequências? Lideranças políticas irão surgir pautadas em uma nova agenda de
proteção ao trabalhador da nova era? O movimento tipicamente nacionalista levará
o país para um novo patamar de prosperidade, ao nos sensibilizar que somos
todos brasileiros e unidos seremos mais fortes, ou nos levará a uma ruptura
como nação, ao aumentar a polarização, nos deixando estagnados frente aos
avanços tecnológicos mundiais em movimento? Qual será o destino do Estado Brasileiro,
representado pelos Três Poderes e seus entes federados? Sairá fortalecido pela
necessária mudança ou se desmantelará?
Certamente são inúmeras as perguntas sem respostas. Isso
porque o futuro não acontece, ele é construído pelas decisões tomadas pelos
atores, pelo resultado de suas parcerias estratégicas e investimentos, muitos
movidos por sonhos e desejos às vezes não explicitados. O futuro não é
construído somente pelos grandes atores, mas por todos nós, que em nossos
microcosmos construímos o nosso futuro e o do nosso país. Somos todos agentes
de mudança e responsáveis pelo porvir.
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