sábado, 25 de maio de 2024

Foresight, Prospectiva e cenários: por que tanta confusão?

 Por Elaine Marcial

É muito comum perceber uma certa confusão entre as palavras: foresight, prospectiva e cenários. Cheguei por um certo tempo a considerar que “prospectiva seria uma tradução da palavra inglesa “foresight” para a nossa língua, pois as definições são muito parecidas. Entretanto, após alguns anos de estudos e busca pela compreensão desses termos cheguei à conclusão que se tratam de conceitos diferentes, apesar de muito próximos.

Mas por que devemos nos preocupar com o entendimento e uso dos conceitos de cada palavra? Simplesmente para podermos utilizá-las de forma correta, seja na fala ou na escrita. Se todos tivermos a mesma compreensão do significado de um termo, há uma redução significativa do ruido no processo de comunicação e haverá também grande redução de mal-entendidos. A conversa certamente fluirá com ampla compreensão do tema que estamos tratando.

Se formos atrás da definição de “prospectiva” no dicionário vamos encontrar no dicionário que ser refere a um substantivo feminino que significa:

1.     m.q. PERSPECTIVA ('vista ao longe').

2.     Conjunto de pesquisas a respeito de fenômenos técnicos, tecnológicos, científicos, econômicos, sociais etc., que procura prever a evolução futura das sociedades.

Logo “prospecção” ou “prospectar” também não guardam relação com prospectiva – termo comumente utilizado como sinônimos –, visto que “prospecção” no dicionário se refere a um substantivo feminino que significa:

1.      Ato ou efeito de prospectar.

2.      Conjunto de técnicas relativas à pesquisa, localização precisa e estudo preliminar de uma jazida mineral ou petrolífera. "fazer p. de petróleo"

Já “prospectar” é um verbo que significa:

1.      Quando intransitivo – ser mais visível ou mais importante; sobressair, salientar-se. "na cordilheira, o Aconcágua prospectava ao longe, imponente".

2.      Quando transitivo direto e intransitivo –procurar (jazidas minerais ou petrolíferas) em um terreno. "p. petróleo".

Veja que a definição de “prospectiva” difere do conceito apresentado por Gaston Berger (1959) considerado o “pai” da prospectiva. Segundo Berger, prospectiva não se trata de um método ou uma disciplina, mas de uma atitude. Ele argumenta que a palavra em si já remete para o olhar a frente, direcionado para o futuro e que a pesquisa prospectiva se dedica a estudar o futuro. Nesse contexto, Berger destaca as características da atitude prospectiva: (1) ver longe; (2) ver grande; (3) analisar com profundidade; (4) correr riscos; e (5) pensar no homem.

Já o foresight, segundo consta no dicionário é um substantivo:

1.      the ability to predict or the action of predicting what will happen or be needed in the future. Ex.: "He had the foresight to check that his escape route was clear". (a capacidade de prever ou a ação de prever o que acontecerá ou será necessário no futuro. "ele teve a precaução de olhar a frente se sua rota de fuga estava livre."

Vejam que a definição é muito semelhante a de prospectiva, entretanto, não restringe o olhar para o longo prazo.

Para Amsteus (2008), Horton (1999) e Slaughter (1996), o foresight refere-se a uma atividade sistemática e permanente de olhar para o futuro e compreender os sinais existentes no ambiente que levem a ação antes que se tornem realidade. Esse processo de desenvolver pontos de vista sobre as possíveis maneiras que o futuro poderá se desenvolver, por meio da percepção cognitiva, contribui com a tomada de decisão e a ação de forma a moldar o futuro, avaliando as ações em curso e levando a atuação proativa.

Horton (1999) chega a descrever esse processo como sendo formando por três fases: (1) Coleta, compilação e resumo da informação disponível e dos resultados na produção de conhecimento a respeito do futuro; (2) Tradução e interpretação deste conhecimento para produzir uma compreensão das suas implicações para o futuro; e (3) Assimilação e avaliação desta compreensão para produzir um compromisso com a ação em uma determinada organização.

Se por um lado a prospectiva refere-se a uma atitude e não a um método, conforme afirma Berger, o foresight é descrito fazendo referência ao método. Destaca-se que essa descrição é bem genérica, visto que é possível encontrar em diferentes tipos de documentos um toolkit do foresight, onde diversos métodos e técnicas são apresentados. Na Figura 1, estão listados alguns levantados.

Figura 1 – Toolkit do foresight

Fonte: Produção nossa.


Veja que os cenários aparecem como uma ferramenta para descreve como o futuro poderá ser. Então, cenário não é sinônimo nem de foresight nem de prospectiva. E quando usamos os termos conjugados cenários prospectivos estamos falando de cenários de longo prazo.

Lembro que cenários são histórias sobre o futuro, como afirma Schwartz (1991). Representam sequências hipotéticas de eventos futuros plausíveis, possíveis, coerentes, relevantes e críveis, que permitem passar da situação de origem para uma situação futura, conforme descreve Godet (2000). Logo, não se pode chamar a conjuntura atual de cenário, pois a conjuntura está associada a realidade hoje e os cenários a histórias sobre o futuro. Muito menos pode-se prospectar cenários.

O uso indiscriminado dessas palavras, sem a preocupação com suas definições e contexto geram ruido de comunicação e dificulta a consolidação dessa área e da tamática.


Referências

Amsteus, M. (2008) "Managerial foresight: concept and measurement", Foresight, v. 10 n. 1, p.53-66. https://doi.org/10.1108/14636680810856026

Berger, Gaston. L’attitude prospective, p. 87-92, 1959. In: Gaston Berger; Jacques de Bourbon-Busset; Pierre Massé. De la prospective: Textes fondamentaux de la prospective française 1955-1966. 2ème édition. P.

Godet, M. (2000). The art of scenarios and strategic planning: tools and pitfalls. Technological Forecasting and Social Change, 65(1) (September) 3–22. https://doi.org/10.1016/S0040-1625(99)00120-1.

Horton, A. (1999)."A simple guide to successful foresight". Foresight, v. 1, n. 1 p. 5-9. http://dx.doi.org/10.1108/14636689910802052

Schwartz, P. (1991). The art of the long view. New York: Doubleday.

Slaughter (1996). Towards a best-practice framework for strategic foresight: Building theory from case studies in multinational companies. 

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