sexta-feira, 12 de julho de 2024

Da antecipação a ação com apropriação: Lições vindas do Rio Grande do Sul

 Por Elaine C. Marcial

O famoso triângulo grego (Figura 1), defendido por Michel Godet (2007) como a base da atitude prospectiva, é só o que me vem a mente quando penso no nosso Rio Grande do Sul, assolado por uma das maiores catástrofes que presenciamos no nosso país nos últimos tempos.

Figura 1 – O triângulo Grego e a prospectiva


Fonte: adaptado de Godet (1989, 2007).

Aliás, não é só Godet que me faz refletir, mas também as palavras de Pierre Wake, ao nos lembrar que precisamos re-perceber o ambiente (Burt, 2010). Sem re-perceber o ambiente não conseguimos nos reinventar e tudo que vivenciamos nestes últimos meses me leva a crer que a catástrofe também é uma oportunidade para a reflexão. O que queremos para o futuro? E, em especial, que Estado e que sociedade queremos para o futuro?

Veicularam na mídia que o povo realizava diversas críticas em relação a atuação do Estado, críticas acompanhadas de ação da sociedade. O povo não ficou parado esperando e criticando o Estado, “arregaçou as mangas” e agiu. O depoimento de Ricardo Gomes, em um de seus programas no Brasil Paralelo[1], mostra o que realmente ocorreu: a integração entre o Estado e a sociedade gaúcha para o bem de todos, a qual foi virtuosa. Destacou também que a onda de solidariedade que mobilizou todo o país, contou com o apoio integrado da sociedade com o Estado brasileiro, nos níveis federal, estadual e municipal, reafirmam o poder da união entre a sociedade e o Estado.

Nesse contexto, reafirmando o convite a reflexão: que Estado e que sociedade queremos deixar para os nossos filhos e netos? E para ajudar nessa reflexão eu vou retomar ao que o foresight e a prospectiva nos ensinam.

Veja que o triangulo grego, defendido por Michel Godet, mostra a necessidade de integração entre antecipação, ação e apropriação. Se não olharmos para o futuro, com a visão de Pierre Wack de re-perceber o ambiente, para não repetirmos os mesmos erros que cometemos no passado, as visões construídas iluminarão e orientarão a ação. Como também, de nada adianta produzirmos informação sobre o futuro se esta não for apropriada pela formulação da estratégia e pela tomada de decisão. Ela deve ser apropriada por todos os stakeholders envolvidos no processo para que as informações produzidas sobre o futuro realmente se transformem em decisão e ação. Cabe sempre lembrar que olhamos para o futuro para melhor decidirmos hoje.

O Estado mostra sinais de falência, mas temos como abrir mão dele? Sociedades tão complexas como as existentes hoje em dia, podem renunciar ao Estado, como muitos já advogam? Eu entendo que não, entretanto, do que existe atualmente sim. Ou seja, há uma necessidade premente de se repensar o Estado e suas atribuições, mas com um olhar para o futuro. Entretanto, eu poderia afirmar o mesmo para a nossa sociedade, que também precisa ser repensada. Não somente o Estado e a sociedade precisam ser repensados, mas a relação existente entre eles. Entendo que o Rio Grande do Sul nos mostrou como a integração entre Estado e sociedade é virtuosa e produz bons resultados.

Voltando ao relato de Ricardo Gomes, ele também nos mostra que é possível obter bons resultados do que ele chamou de “uma espécie de PPP”, mas que o privado era representado pela sociedade. Por um lado, o Estado falido precisa da sociedade para se reerguer, e não é aumentando os impostos. Por outro, a sociedade precisa do Estado para ajudá-la a dar grandes saltos para o futuro, orientados por uma visão estratégica de longo prazo, construída e apropriada por todos. Visão esta que inspire a mudança.

A sociedade tem o dever e o direito de ajudar, fazendo a sua parte, bem como de fiscalizar o Estado e de denunciar, atividades essas inerentes a qualquer modelo de governança. Por isso, a importância da liberdade de expressão, afinal a sociedade é a “dona” do Estado, ela quem paga para ele trabalhar para ela – ao pagar impostos. Fazendo uma analogia com o dono de uma empresa, se a empresa não está indo bem, o dono tem que “arregaçar as mangas” e dar a sua parte, senão ela quebra. Não dizem que democracia é o governo do povo, para o povo, pelo povo? Então o povo tem de fazer a sua parte também, e não é só votando no seu representante, é também arregaçando as mangas e agindo, como fizeram os irmãos do Rio Grande do Sul e muito outros em todas as regiões do Brasil.

Olhado para o futuro, no meu entender, a reconstrução do Rio Grande do Sul deveria ser pautada no triângulo da prospectiva – antecipação, ação com apropriação, bem como na reflexão “de que Estado e de que Sociedade brasileira nós queremos”, para que possamos construir um futuro melhor para todos nós? A propósito, quem fez isso de uma forma fantástica foi a Finlândia na década de 1990. Vale a perna conferir – apresentamos uma síntese nesse documento que pose ser acessado pelo link em a seguir.

https://doi.org/10.13140/RG.2.2.16531.08480

Em parceria com a Assecor, estamos repensando futuros possíveis para o Brasil até 2045. Em breve, lançaremos uma série de levantamentos e debates. Venha participar! Vou dar essa oportunidade por meio desse canal. Participe e contribua com a formulação de uma visão para o nosso país que inspire corações e mentes na construção de um futuro melhor.

Referências

Godet, M. Prospective: Pourquoi? Coment. Godet, M. Futuribles, nov. 1989. Disponível em: http://www.laprospective.fr/dyn/francais/memoire/autres_textes_de_la_prospective/articles_michel_godet_futuribles/sept-idees-cles.pdf. Acesso em: 30/06/2024.

Godet, M. Manuel de Prospective Stratégique, T1 l’indiscipline intellectuelle T2’art et la método, Dumond 3êmes Édition, 2007. Disponível em: https://www.habiter-autrement.org/37-ecovillage-afrique/contributions-37/L-avenir-autrement-Michel-Godet-Anticiper-innover-motiver.pdf. Acesso em: 30/06/2024.

Burt, G. Revisiting and extending our understanding of Pierre Wack's the gentle art of re-perceiving. Technological Forecasting & Social Change, v. 77, n. 9, p. 1476-1484, Nov. 2010. https://doi.org/10.1016/j.techfore.2010.06.027.



[1] Magna Carta: Civil salva civil. 

terça-feira, 2 de julho de 2024

Visionários ou criativo? A ficção científica na construção do futuro

Por Elaine C. Marcial


Recentemente, participando de uma banca de doutorado, cujo tema focava na relação entre prospectiva, ficção científica e desenvolvimento tecnológico, a tese me fez lembrar de dois eventos. O primeiro, mais recente, refere-se a uma notícia que havia lido sobre a inteligência artificial em desenvolvimento por uma das empresas de Elon Musk, que era baseada em dois livros de ficção científica: “Um estranho em uma terra estranha” – que inspirou o nome da IA, “Grok” – e o chatbots recentemente incorporado, que pode emular um tom sarcástico como descrito no livro "Guia do Mochileiro das Galáxias"[1].

O segundo, foi uma apresentação de um grupo de estudantes da Unesp, durante o segundo Encontro da Rede Brasileira de Prospectiva, que trouxe o seguinte questionamento: “pessoas ao logo da história que ficaram conhecidos como grandes previsores, haviam realmente previsto o futuro ou foram só criativos?” A conclusão deles é que os chamados “grandes previsores” haviam sido apenas criativos e que a criatividade deles inspirou inovadores e investidores a desenvolverem novas tecnologias. Isso, para mim, faz muito sentido, pois a inovação deve sempre partir de uma inspiração e exige criatividade.

Além da declaração de Musk, outros empreendedores já fizeram afirmações semelhantes como, por exemplo, o inventor do telefone celular, Martin Cooper, ao declarar que teve a ideia assistindo a um dos capítulos de Star Trek[2], lançado em 1966. Outro que admite ter se inspirado na série foi Amit Singhal, pesquisador sênior do Google. Ele já declarou que muitas das inovações produzidas pelo Google, nos últimos anos, foram inspiradas em Star Trek. Singhal vai além, ele acredita que, no futuro, os motores de busca agirão como "um assistente pessoal perfeito", como o usado pelo capitão James Kirk, da série Start Trek[3].

Se Star Trek foi a inspiração para o desenvolvimento de outras tecnologias que usamos atualmente, não sei afirmar, mas a reportagem da BBC News nos mostra que sete tecnologias utilizadas atualmente faziam parte da série como o computador pessoal, o tablet, a tomografia e a ressonância, o GPS, as memórias USB, as telas planas gigantes,  além do telefone celular já citado[4].

Há também o investimento da Uber, que irá lançar uma rede de carros voadores, como os existentes na série de desenho para crianças de nome “Os Jetsons”, lançado em 1962. No desenho, outras tecnologias que usamos hoje em dia também presentes como as videochamadas, os relógios inteligentes, as televisões planas, as esteiras rolantes, as câmaras de bronzeamento artificial, os assistentes pessoais e despertador com comando de voz[5]. As casas inteligentes estão cada vez mais acessíveis, permitindo a realização de várias atividades por comando de voz. Ainda não temos a Rose, meu sonho de consumo, mas já dispomos de robôs que limpam a casa e os que realizam algumas pequenas tarefas, sendo testados em bibliotecas e hotéis.

Há uma variedade de outros exemplos que podem ter servido de inspiração. O livro de Júlio Verne “Da Terra à Lua”, de 1865, 100 anos antes de o homem pisar na lua, chega a descrever astronautas em uma cápsula de alumínio sendo lançada ao espaço a partir da Flórida. Em 1888, Edward Bellamy descreve o uso de cartões de crédito em sua ficção Looking Backward: 2000-1887. Ray Bradbury imaginou fones de ouvido em 1953 (Fahrenheit 451), Aldous Huxley, antidepressivos em 1931 (Admirável Mundo Novo), Arthur C Clarke, também mostra o uso de tablets e computadores com jornais digitais (2001: Uma Odisseia no Espaço, 1968) e George Orwell em sua obra 1984 que, em 1949, descreve o estado de vigilância sempre televisionada e que hoje se materializa de forma mais sofisticada, com o uso de sensores e dispositivos digitais por toda a parte[6].

É muito comum nas telas do cinema ou da televisão termos contato com diversas tecnologias que certamente surgirão no futuro, fruto da mente criativa de seus roteiristas e escritores, com os óculos de realidade virtual, os drones, o comando de voz, a biometria, os sensores de movimento, o monitor de telas planas e os tablets que estão no filme “De Volta para o Futuro 2”, de 1989[7]. Outro exemplo refere-se à saga de “Star Wars”, que teve início em 1977 e apresenta hologramas, robôs sendo usados na guerra, próteses biônicas e armas a laser[8]. Também a primeira versão do filme Blade Runner, de 1982, aborda as videochamadas e robôs, que eram replicantes humanos. Mais recentemente citamos: Oblivion e Elysium, ambos de 2013; Interestrelar e Ex Machine, ambos de 2014; Perdido em Marte, de 2015; Passageiros e a série Westworld, ambos de 2016.

Os escritores e roteiristas possuem um talento incrível para imaginar o futuro, pois são criativos e não estão presos a realidade presente. Se baseiam em desejos e fatos portadores de futuro, muitos associados a teorias que estão na fronteira da ciência, para criarem suas histórias a respeito do porvir.

Por fim, vale também lembrar o livro “O ano 2000”, publicado em 1967, e escrito pelo pai da metodologia de “scenario planning”, Herman Kahn, o qual relata as visões de futuro construídas pelo The Hudson Institute de como o ano 2000 poderia ser (Kahn; Wiener, 1967). Este livro não é uma peça de ficção científica, mas certamente inspirou a nação americana em sua trajetória rumo ao futuro. Esse livro nos faz lembrar que não precisamos nos tornar escritores de ficção científica. O que quero deixar como mensagem para reflexão é que devemos investir na construção de estudos de futuro criativos, que nos faça abrir mão de nossas amarras que nos prendem ao presente e ao passado, abrirmos nossas mentes e imaginarmos futuros distintos, possíveis e criveis que inspirem corações e mentes na construção de um futuro melhor.


Aproveito para convidar a compartilhar nos comentários, quem puder contribuir com outros exmplos da ficção sendo espelhada na realidade. Obrigada!


Referência

Kahn, H.; Wiener,A. J. The year 2000: a framework for speculation on the next thirty-three years. The Hudson Institute, MacMillan, 1967.



[1] Inteligência artificial de Elon Musk passa a 'enxergar imagens'. O Tempo: Econoia.14 de abril de 2024. Disponível em: https://www.otempo.com.br/economia/inteligencia-artificial-de-elon-musk-passa-a-enxergar-imagens-1.3382301. Acesso em: 30/06/2024.

[2] BBC News Brasil. Sete previsões tecnológicas de Star Trek que se concretizaram. 10 setembro 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-37311793. Acesso em: 30/06/2024.

[3] Exame, 5 de novembro de 2014. https://exame.com/tecnologia/guru-do-google-diz-se-inspirar-em-computador-de-star-trek/

[4] BBC News Brasil. Sete previsões tecnológicas de Star Trek que se concretizaram. 10 setembro 2016. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-37311793. Acesso em: 30/06/2024.

[5] Veja 12 previsões acertada pelos Jetsons sobre a tecnologia do século 21. Disponível em: https://www.uol.com.br/tilt/noticias/redacao/2020/05/04/11-previsoes-que-os-jetsons-acertaram-sobre-a-tecnologia-no-seculo-21.htm. Acesso em 30/06/2024.

[6] Gibbs, Amy. Using science fiction to explore business innovation. Sep. 2017. Disponível em: https://www.pwc.com.au/digitalpulse/science-fiction-explore-business-innovation.html. Acesso em 30/06/2024.

[7] De Volta para o Futuro: 15 invenções vistas por Marty McFly que deram certo. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2015/10/de-volta-para-o-futuro-15-previsoes-tech-para-2015-que-o-filme-acertou.ghtml. Acesso em 30/06/2024.

[8] 5 tecnologias de Star Wars que estão virando realidade. Disponível em: https://www.tecmundo.com.br/minha-serie/263593-5-tecnologias-star-wars-virando-realidade.htm. Acesso em 30/06/2024.

sábado, 25 de maio de 2024

Foresight, Prospectiva e cenários: por que tanta confusão?

 Por Elaine Marcial

É muito comum perceber uma certa confusão entre as palavras: foresight, prospectiva e cenários. Cheguei por um certo tempo a considerar que “prospectiva seria uma tradução da palavra inglesa “foresight” para a nossa língua, pois as definições são muito parecidas. Entretanto, após alguns anos de estudos e busca pela compreensão desses termos cheguei à conclusão que se tratam de conceitos diferentes, apesar de muito próximos.

Mas por que devemos nos preocupar com o entendimento e uso dos conceitos de cada palavra? Simplesmente para podermos utilizá-las de forma correta, seja na fala ou na escrita. Se todos tivermos a mesma compreensão do significado de um termo, há uma redução significativa do ruido no processo de comunicação e haverá também grande redução de mal-entendidos. A conversa certamente fluirá com ampla compreensão do tema que estamos tratando.

Se formos atrás da definição de “prospectiva” no dicionário vamos encontrar no dicionário que ser refere a um substantivo feminino que significa:

1.     m.q. PERSPECTIVA ('vista ao longe').

2.     Conjunto de pesquisas a respeito de fenômenos técnicos, tecnológicos, científicos, econômicos, sociais etc., que procura prever a evolução futura das sociedades.

Logo “prospecção” ou “prospectar” também não guardam relação com prospectiva – termo comumente utilizado como sinônimos –, visto que “prospecção” no dicionário se refere a um substantivo feminino que significa:

1.      Ato ou efeito de prospectar.

2.      Conjunto de técnicas relativas à pesquisa, localização precisa e estudo preliminar de uma jazida mineral ou petrolífera. "fazer p. de petróleo"

Já “prospectar” é um verbo que significa:

1.      Quando intransitivo – ser mais visível ou mais importante; sobressair, salientar-se. "na cordilheira, o Aconcágua prospectava ao longe, imponente".

2.      Quando transitivo direto e intransitivo –procurar (jazidas minerais ou petrolíferas) em um terreno. "p. petróleo".

Veja que a definição de “prospectiva” difere do conceito apresentado por Gaston Berger (1959) considerado o “pai” da prospectiva. Segundo Berger, prospectiva não se trata de um método ou uma disciplina, mas de uma atitude. Ele argumenta que a palavra em si já remete para o olhar a frente, direcionado para o futuro e que a pesquisa prospectiva se dedica a estudar o futuro. Nesse contexto, Berger destaca as características da atitude prospectiva: (1) ver longe; (2) ver grande; (3) analisar com profundidade; (4) correr riscos; e (5) pensar no homem.

Já o foresight, segundo consta no dicionário é um substantivo:

1.      the ability to predict or the action of predicting what will happen or be needed in the future. Ex.: "He had the foresight to check that his escape route was clear". (a capacidade de prever ou a ação de prever o que acontecerá ou será necessário no futuro. "ele teve a precaução de olhar a frente se sua rota de fuga estava livre."

Vejam que a definição é muito semelhante a de prospectiva, entretanto, não restringe o olhar para o longo prazo.

Para Amsteus (2008), Horton (1999) e Slaughter (1996), o foresight refere-se a uma atividade sistemática e permanente de olhar para o futuro e compreender os sinais existentes no ambiente que levem a ação antes que se tornem realidade. Esse processo de desenvolver pontos de vista sobre as possíveis maneiras que o futuro poderá se desenvolver, por meio da percepção cognitiva, contribui com a tomada de decisão e a ação de forma a moldar o futuro, avaliando as ações em curso e levando a atuação proativa.

Horton (1999) chega a descrever esse processo como sendo formando por três fases: (1) Coleta, compilação e resumo da informação disponível e dos resultados na produção de conhecimento a respeito do futuro; (2) Tradução e interpretação deste conhecimento para produzir uma compreensão das suas implicações para o futuro; e (3) Assimilação e avaliação desta compreensão para produzir um compromisso com a ação em uma determinada organização.

Se por um lado a prospectiva refere-se a uma atitude e não a um método, conforme afirma Berger, o foresight é descrito fazendo referência ao método. Destaca-se que essa descrição é bem genérica, visto que é possível encontrar em diferentes tipos de documentos um toolkit do foresight, onde diversos métodos e técnicas são apresentados. Na Figura 1, estão listados alguns levantados.

Figura 1 – Toolkit do foresight

Fonte: Produção nossa.


Veja que os cenários aparecem como uma ferramenta para descreve como o futuro poderá ser. Então, cenário não é sinônimo nem de foresight nem de prospectiva. E quando usamos os termos conjugados cenários prospectivos estamos falando de cenários de longo prazo.

Lembro que cenários são histórias sobre o futuro, como afirma Schwartz (1991). Representam sequências hipotéticas de eventos futuros plausíveis, possíveis, coerentes, relevantes e críveis, que permitem passar da situação de origem para uma situação futura, conforme descreve Godet (2000). Logo, não se pode chamar a conjuntura atual de cenário, pois a conjuntura está associada a realidade hoje e os cenários a histórias sobre o futuro. Muito menos pode-se prospectar cenários.

O uso indiscriminado dessas palavras, sem a preocupação com suas definições e contexto geram ruido de comunicação e dificulta a consolidação dessa área e da tamática.


Referências

Amsteus, M. (2008) "Managerial foresight: concept and measurement", Foresight, v. 10 n. 1, p.53-66. https://doi.org/10.1108/14636680810856026

Berger, Gaston. L’attitude prospective, p. 87-92, 1959. In: Gaston Berger; Jacques de Bourbon-Busset; Pierre Massé. De la prospective: Textes fondamentaux de la prospective française 1955-1966. 2ème édition. P.

Godet, M. (2000). The art of scenarios and strategic planning: tools and pitfalls. Technological Forecasting and Social Change, 65(1) (September) 3–22. https://doi.org/10.1016/S0040-1625(99)00120-1.

Horton, A. (1999)."A simple guide to successful foresight". Foresight, v. 1, n. 1 p. 5-9. http://dx.doi.org/10.1108/14636689910802052

Schwartz, P. (1991). The art of the long view. New York: Doubleday.

Slaughter (1996). Towards a best-practice framework for strategic foresight: Building theory from case studies in multinational companies. 

sexta-feira, 17 de maio de 2024

Reflexão sobre um artigo da Future Foresight Science

 Tracing the progress of scenario research in business and management

Arbrie Jashari; Victor Tiberius; Marina Dabić (2021). Tracing the progress of scenario research in business and management. Futures Foresight Sci., p. 1-9. https://doi.org/10.1002/ffo2.109

Por Elaine Marcial

O artigo apresenta uma avaliação bibliométrica da produção científica em cenário nos negócios e na gestão. Apesar de ser uma avaliação restrita a uma só base de dados e com foco na relação existente entre cenários e administração, traz uma contribuição interessante para a reflexão das organizações e orientações para pesquisas futuras.

O trabalho de bibliometria realizado na base “Web of Science” identifica seis clusters por meio do uso de análise de cocitação com foco histórico, a saber: (1) Planejando o Futuro com Cenários, (2) Planejamento por Cenários em Gestão Estratégica, (3) Reforçando a Técnica de Cenários, (4) Integração de Planejamento de Cenários e MCDA, (5) Combinação de Diferentes Métodos, e (6) Tomada de decisão por meio de Programação Estocástica.

Um ponto interessante da análise desses clusters foi a identificação dos focos das pesquisas ao longo do tempo. Ficou evidenciado que nas décadas de 1980 e 1990 o foco das pesquisas era o uso dos cenários como apoio ao planejamento estratégico, apresentando a metodologia – uso de cenários na gestão estratégica. Já o início dos anos 2000 há uma ênfase na integração entre scenario planning e tomada de decisão. Entre 2000 e 2014 houve um foco em pesquisas mais gerais relacionadas à revisão da literatura associada ao processo de scenario planning, mostrando sua utilidade e como esse processo poderia ser melhorado. Especificamente no período de 2007 a 2013, há uma ênfase em método, em especial o Delphi, bem como um destaque para a conjugação de métodos no processo de construção de cenários.

Essas descobertas, se confirmadas por meio de uma análise bibliométrica mais ampla e seguida por uma revisão sistemática da literatura, poderão auxiliar na formação de uma base curricular para a formação de profissionais para a área.

Outro ponto que gostaria de destacar é a identificação do aumento da conjugação entre métodos no processo de construção de cenários, bem como o uso do que no artigo foi chamado de “cenários de impacto” destacando-se os baseados em “black swans” (Faulkner et al., 2017; Hammond, 2016; Taleb, 2007) e “wildcards” (Mendonça et al., 2004; Saritas & Smith, 2011). Outro destaque foi dado a atuação dos atores na construção do futuro (Wenzel et al., 2020, p. 1443).

Esses achados nos mostram a importância tanto de conhecemos métodos, quanto das ferramentas do foresight para que sejamos capazes de formatarmos arranjos metodológicos consistentes e customizados para a realidade de cada organização.

Além disso, a construção do que foi chamado de “cenários de impacto”, com o uso de wild cards e black swans, nos alerta quanto a necessidade de exercitarmos nossa imaginação e construirmos cenários disruptivos para que possamos estar mais preparados para esses futuros que serão cada vez mais disruptivos, bem como desenvolvermos a capacidade de agir proativamente.

No artigo, também foi dada uma grande ênfase para o avanço e possível intensificação das pesquisas voltadas para a conexão entre aspectos cognitivos e comportamentais do cenário. Fornecem um destaque ao avanço da estratégia comportamental[1], em especial para a área financeira, baseada na Teoria Comportamental da Administração.

O interesse e a pesquisa na área das ciências cognitivas e comportamentais cresce em todo o mundo, em especial os voltados para a área de tomadas de decisão. Vieses cognitivos impedem que as pessoas enxerguem claramente o mundo a sua volta, produzindo pontos cegos, o que nos impede também de enxergarmos, com clareza, o futuro. Avanços nessas áreas ajudarão os profissionais da área de scenario planning a melhorar a sua capacidade de imaginar possibilidades de futuro, bem como do uso de tais visões como subsídio para melhorar a tomada de decisão.

O artigo também destaca que, apesar do avanço da atividade, em função do crescimento da incerteza ambiental e do aumento do risco, muitas indústrias ainda não aplicam scenario planning ou o uso de cenários para a tomada de decisão. Tal conclusão é baseada nos poucos estudos de caso publicados. Entretanto, acreditam que isso poderá mudar no futuro com o aumento da incerteza ambiental.

Para mim, a falta de future literacy associada a “tirania do imediatismo” faz com que muitas organizações ainda não façam uso de cenários na formulação da estratégia e para auxiliar a tomada de decisão. Entretanto, concordo com os autores do artigo em foco quando afirmam que esse ambiente mude em função do aumento da incerteza ambiental e do fracasso das decisões tomadas com base nas informações do passado. Porém, future literacy certamente exercerá um papel importante nessa jornada.

Por fim, destaco a importância da realização de estudos dessa natureza para que haja uma compreensão da evolução da área, identificação de seus marcos teóricos e, assim, ser possível direcionar as pesquisas para o preenchimento de lacunas encontradas na revisão sistemática da literatura, bem como para a formação de uma grade curricular básica de formação dos profissionais da área.

Referências

Faulkner, P., Feduzi, A., & Runde, J. (2017). Unknowns, Black Swans and the risk/uncertainty distinction. Cambridge Journal of Economics, 41(5), 1279–1302

Hammond, P. J. (2016). Catastrophic risk, rare events, and Black Swans: Could there be a countably additive synthesis? The Economics of the Global Environment (pp. 17–38). Cham: Springer

Mendonça, S., e Cunha, M. P., Kaivo‐oja, J., & Ruff, F. (2004). Wild cards, weak signals and organisational improvisation. Futures, 36(2), 201–218.

Powell, T. C., Lovallo, D., & Fox, C. R. (2011). Behavioral strategy. Strategic Management Journal, 32(13), 1369–1386

Saritas, O., & Smith, J. E. (2011). The big picture–trends, drivers, wild cards, discontinuities and weak signals. Futures, 43(3), 292–312

Taleb, N. N. (2007). The black swan: The impact of the highly improbable (2). Random house.

Wenzel, M., Krämer, H., Koch, J., & Reckwitz, A. (2020). Future and organization studies: On the rediscovery of a problematic temporal category in organizations. Organization Studies, 41(10), 1441–1455.



[1] Estratégia comportamental “visa trazer suposições realistas sobre a cognição humana, as emoções e o comportamento social para a gestão estratégica das organizações e, assim, enriquecer a teoria estratégica, a pesquisa empírica e a realidade real” (Powell et al., 2011, p. 1371).

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Foresight e o ROI

Por Elaine Marcial

 

Um amigo me perguntou qual seria o ROI de uma empresa que resolvesse investir em foresight. Esta é uma questão que me persegue desde que eu comecei a estudar Inteligência Competitiva na década de 1990. Para mim, essa é uma pergunta sem resposta para qualquer investimento que uma organização faça em uma área ou atividade voltada para a produção de informação para a tomada de decisão.

Um dos grandes nomes da área de Inteligência Competitiva, Jean Herring, em seu livro “Measuring the effectiveness of competitive intelligenge”, explora essa temática de uma foram interessantes. Para mim sua justificativa se adequa ao foresight, visto que ambas as áreas têm como foco a produção de informação estratégica voltada para o futuro.

Herring sugere que as empresas deveriam avaliar o retorno sob um outro olhar, o do não investimento. Sendo assim, aplicando esse pensamento para o foresight, eu pergunto: Quanto sua organização perderia se:

·       Não estivesse preparada, pois não desenvolveu flexibilidade e resiliência, para enfrentar um evento disruptivo futuro ou eventos emergentes que foram identificados por um concorrente e não por ela?

·       Não aproveitasse um novo nicho e/ou segmentos de mercado, pois não imaginou que ele surgiria no futuro e os seus concorrentes os identificou e estavam preparados para aproveitá-los?

·       Não se adaptasse rapidamente às mudanças ocorridas no ambiente, pois não imaginou e nem testou suas estratégias antes que as mudanças ocorressem?

·       Não identificasse novas necessidades dos clientes que ainda não emergiram e seus concorrentes ofertassem novos produtos e serviços antes da sua organização?

·       Não identificasse e nem testasse sua estratégia em relação a tecnologias emergentes e a novas legislações, e seus concorrentes se movimentaram antes da sua organização?

·       Não reorientasse o seu negócio ou a sua estratégia, antes que seja tarde demais?

·       Não tomasse melhores decisões, pois elas estão pautadas em informações do passado e do presente e não pelo futuro, levando a uma piora do seu desempenho financeiro frentes aos concorrentes.

Ao se construir cenários, identificar megatendências ou realizar horizon scanning, principais produtos/processos do foresight, a organização desenvolve uma nova visão sobre o ambiente e a sua organização pautada não mais no passado, mas no futuro.

O foresight elimina pontos cegos, ao gerar aprendizado organizacional e construir registros sobre o futuro que irão contribuir com uma melhor tomada de decisão. Isso porque as informações sobre o futuro passam a fazer parte da memória de quem toma decisão, levando-o a considerá-las e não somente as memórias do passado.

Lembro que o sucesso obtido no passado, fruto de decisões que resultaram em receitas e lucros para a organização, não mais garantem o mesmo sucesso em um ambiente volátil e disruptivo como o de hoje em dia.

Em um ambiente turbulento e disruptivo, as organizações devem desenvolver capacidade adaptativa e de resiliência frente às mudanças do porvir. O foresight contribui ao preparar a organização para enfrentar esses eventos disruptivos e de alto risco ao possibilitar que ela teste as decisões e a estratégia antes desses eventos se materializarem.

Ao olhar para o futuro de forma criativa e sem as amarras do passado e do presente, o foresight possibilita que a organização teste não somente sua estratégia, mas seu negócio, verificando a sua consistência frente a futuros distintos. Também possibilita se reposicionar no mercado antes que seja tarde demais, ao tempo em que enxerga novos mercados, segmentos e nichos que a leva a investir em inovações, tanto em produtos quanto em serviços, a serem prestados para esses futuros clientes.

Por fim, lembro que, o que o foresight produz é informação sobre o futuro. Cabe à organização decidir que caminho irá tomar. Fazer suas apostas é uma decisão da direção da organização frente ao futuro múltiplo e incerto. O foresight produz os insumos necessários para apoiar esse processo, modifica modelos mentais e facilita o processo decisório e de formulação da estratégia ao levar o debate dessas informações sobre o futuro para o nível estratégico da organização.

terça-feira, 15 de junho de 2021

O Brasil no programa Artemis da Nasa

Se pararmos para pensar estrategicamente sobre o futuro da humanidade, ela passa, no meu ver, pela descoberta de energia abundante e barata e pela conquista do espaço. Até para conquistarmos o espaço teremos que ter energia em abundância.

Hoje, o Brasil deu um passo importante na nova corrida espacial, que integra a iniciativa publica e privada, ao assinar a parceira com a Agência Espacial Americana (Nasa), que contempla a sua participação no programa Artemis. Tal programa tem por objetivo levar a primeira mulher e o próximo homem à Lua até 2024, bem como desenvolver tecnologias para enviar a primeira missão humana à Marte.

O plano da Nasa é duplo: alcançar a meta de um pouso humano até 2024 enquanto trabalha, simultaneamente, para a exploração lunar sustentável até o final da década de 2020, datas consideradas ambiciosas e que deverão acelerar as diversas inciativas que ocorrem em paralelo.

O programa Artemis foca no retorno à Lua a partir de 2021. A construção de elementos sustentáveis na Lua e ao seu redor permitirão o desenvolvimento mais rápido de novas investigações científicas e experimentos tecnológicos, que conjugam atividades robóticas e humanas.

Da mesma forma que a Estação Espacial Internacional criou as condições para avançarmos para a Lua, o estabelecimento de espaços habitados na Lua fornecerá as condições para a exploração e conquista de Marte.

Plagiando Neil Armstrong e dado um toque brasileiro: "Um pequeno passo de alguns brasileiros, mas um grande salto para o país." Espero que desta vez o governo brasileiro consiga manter o acordo e cumprir com suas obrigações e responsabilidades no acordo de cooperação, não repetindo o ocorrido com o frustrado acordo firmado também com a Nasa, em 1997, de participação no consórcio de construção da International Space Station.

O acordo visava a produção de componentes para a referida Estação Espacial e, em troca, poder ter acesso a ela. Tal acordo resultou na ida do primeiro astronauta brasileiro, o ministro Marcos Pontes, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI). Entretanto, o Brasil não cumpriu o referido acordo e ficou fora do projeto. Após quase dez anos de participação, o país deixou de ser considerado na lista de fabricantes da base orbital.

É esperado que com o novo acordo firmado entre a Nasa e o MCTI, junto com a Agência Espacial Brasileira (AEB), haja uma aceleração no programa espacial brasileiro. Essa nova parceria abre um mundo de possibilidade no campo do desenvolvimento científico e tecnológico para o nosso país, com a possível geração de diversos spin-off1 para a nossa sociedade. Também abre espaço para que empresas e startups brasileiras possam se tornar fornecedoras de produtos e serviços tanto para o processo de conquista da Lua quanto o de Marte, abrindo novas fronteiras para o comércio exterior brasileiro.

Convido a todos para uma reflexão estratégica de médio e longo prazo:

·       Quais serão os principais desenvolvimentos científicos e tecnológicos que serão gerados durante o programa que o Brasil terá acesso?

·       Quais os possíveis spin-off que esse acordo poderá gerar para sociedade brasileira? Quais os principais campos que serão beneficiados?

·       O espaço fará parte do comércio exterior brasileiro? Seremos fornecedores para a Lua e para Marte?

·       A participação no programa Artemis irá gerar emprego e renda para o Brasil?

·       Teremos brasileiros vivendo/trabalhando na Lua? E em Marte?

·       Teremos uma estação de pesquisa espacial na Lua, com temos na Antártida? E em Marte?

 

1 A Nasa frequentemente divulga os spin-off do programa espacial americano.

 

Referência

Para obter informações sobre a parceria do Brasil com a Nasa – Disponível em: https://www.gov.br/pt-br/noticias/educacao-e-pesquisa/2020/12/brasil-oficializa-participacao-no-programa-artemis-da-nasa

Para obter mais informações sobre o projeto Artemis da Nasa – Disponível em:

https://www.nasa.gov/specials/artemis/

https://www.nasa.gov/topics/moon-to-mars

Para mais informações sobre os spin-off do programa espacial americano. – Disponível em:

https://spinoff.nasa.gov/

https://www.kennedyspacecenter.com/blog/nasa-spinoffs